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sexta-feira, outubro 16, 2015

A menina que não tem sorte




Querido diário, a minha irmã sempre foi uma menina estudiosa, perfeccionista e simpática. Uma menina perfeita? Diria que sim. Sempre foi aluna número 1 da escola, chorava horrores se tirasse um 9,8, almejando um 10,0 e sempre foi o poço de simpatia com a mãe dela, ops, com a nossa mãe, e com todos da família.
Acho que cada um é merecedor do que tem e nasce com um estrelinha brilhando mais ou brilhando menos, mas claro, cada um alcança o seu mérito. Hoje minha irmã é mais que uma garotinha perfeita, ela é uma máquina, infalível, invencível, e claro, muito invejada.
Ela simplesmente juntou todas as qualidades que ela tem com a experiência e os ensinamentos que eu passei para ela e puff, se tornou nessa máquina que ela é hoje.
Estudávamos na mesma escola e certamente, ela teria o mesmo destino que eu tive. E o que sou hoje? Nada, ninguém. Mas eu queria que minha irmã tivesse um destino diferente e claro, eu via que ela tinha capacidade para isso. A inscrevi em um concurso de bolsas em uma das melhores escolas do estado, acho que na época, ela nem sabia muito bem o que era isso. Mas eu a inscrevi, imprimi o edital, imprimi provas passadas, montei o cronograma dividindo os assuntos de acordo com os dias que ela deveria estudar até chegar o dia D. Ah, e não bastasse tudo isso, ainda emprestei os meus livros de ensino médio para ela estudar, sendo que ela era ensino fundamental. Claro que ela iria ultrapassar todas as colegas que tinham a idade dela, que estavam competindo com ela. Ela estava estudando por um material avançado e eu montei um cronograma de mestre para ela, cronograma de uma pessoa experiente, que já tinha passado por vários desses concursos de bolsa, tinha prestado provas para institutos federais e alguns vestibulares. Cara, eu nunca fui uma gênia, mas eu sabia como funcionavam as coisas.
Não deu outra, ela foi aprovada no concurso de bolsa, conseguindo estudar quase de graça em uma das melhores escolas do estado, e assim ir traçando um destino diferente do meu.
Não bastasse ela ter todo o sucesso, fruto de seu desempenho misturado com a estrelinha que nasceu brilhando em sua testa, hoje ainda teve a sorte de ganhar um ingresso para o show de Roberto Carlos e realizar o sonho da mãe dela, ops, de nossa mãe de assistir ao show.
A família até que se animou, de início pensávamos que seriam dois ingressos, e nisso os nossos pais iriam juntos a esse show. Decepção ao perceber que tinha sido sorteado apenas um ingresso. Minha mãe que sempre foi dependente do meu pai para tudo jamais iria sozinha para essa festa, como não foi. A única opção era vender o ingresso, e isso eu me dispus.
Há muito tempo eu sonho em empreender e montar um grande negócio, há algumas semanas atrás eu estava assistindo a um documentário do Marcelo Nascimento, para quem não sabe quem é, é o maior estelionatário do Brasil, dizendo que chegou a vender até coisas que não existiam. Uma vez vi uma propaganda do HSBC em que um grande empresário dizia que vender era simplesmente seduzir. E isso, claro, me fascinou, encheu meus olhos. Ninguém quer aprender a ser anjo, todos querem aprender a ser diabo, a ter dinheiro, poder e mostrar que tem poder.
Hoje, pela primeira vez, eu tive a oportunidade de testar o meu poder de persuasão, de vender, ou como diria o empresário da propaganda do HSBC, simplesmente, o poder de seduzir.
Confesso que no início eu senti vergonha de vender o ingresso, era como se eu tivesse necessitada. Mas depois, montei uma propaganda atraente e decidi cair para frente. Enviei a todos os meus contatos, amigos, ex-amigos, pessoas conhecidas, grupos de vendas das redes sociais, meus paquerinhas, pensei que esses paquerinhas até poderiam comprar por comprar, para se amostrar, para me ajudar. Que nada! Não deu certo! Eu estava oferecendo o preço original, caríssimo, se conseguisse vender, eu teria um lucro absurdo. Aliás, eu não, o dinheiro eu iria entregar à dona do ingresso, mas eu também ganharia, era como se eu fosse aprovada no teste que eu mesma estava fazendo do meu poder de persuasão.
Quando eu já tava me sentindo uma bosta por não ter conseguido vender, praticamente desistido e já decidida a entregar o ingresso no dia seguinte por um preço bem inferior, uma amiga chama no watzzap e diz que queria o ingresso.
Diário, eu não consegui vender pelo preço original, pois o preço era simplesmente repugnante, enquanto que a mercadoria era muito boa. Acabei fechando negócio por R$150,00 e marcando de fazer entrega no dia posterior.
Eu não tive a satisfação e o prazer de vender pelo preço que eu queria, mas ao mesmo, senti o alívio de ter vendido esse ingresso, que caso não fosse vendido, não teria utilidade nenhuma.
Depois disso aconteceu um fato, no mínimo, curioso, na minha casa. Minha irmã começou a chorar feito uma louca, dizendo que preferia ter dado a alegria para nossa mãe de ir ao show do que vender o ingresso. Ah, e ainda dizendo que não tem sorte para nada na vida.
Eu fiquei simplesmente perplexa, você imagina, diário, eu que passei a tarde toda tentando vender esse ingresso a um e a outro, passei até a vergonha de ter tentado vender para uma pessoa que rejeitou com desdém, fazendo pouco caso. Quando finalmente consegui vender, assistir a uma cena patética dessa, ah, e mais ouvi dizer a frase mais absurda que já ouvi, que ela não tem sorte.
Será que ela não teve sorte de nascido numa família estruturada, de uma condição financeira relativamente boa? Será que ela não teve sorte de ter feito esse concurso de bolsas, de ter passado e até hoje estar estudando na mesma escola? Ah, interessante, que na época que eu tinha a idade dela, eu tive a mesma oportunidade que ela, mas não tinha ninguém que me orientasse.
Ah, e como não bastasse, o universo mostrou que ela é totalmente isenta de sorte, ao fazê-la ganhar esse ingresso para um grande show do “rei” Roberto Carlos.
Diário, e me diz uma coisa?! Se ela não tem sorte, eu sou a pessoa mais fudida do mundo, não é?! Porque eu garanto que ela nunca passou por metade do que eu passei.
Nada nunca na minha vida deu certo. Quando eu tinha mais ou menos a idade dela, época de vestibular, passei de primeira e em uma das melhores colocações em um curso numa universidade federal. E o que deu? Em merda de nada, eu me perdi na universidade, não me encontrei no curso, odiava a turma, perdia matéria uma atrás da outra, quando via que ia perder, desistia antes, me sentia uma brasileira tomando gol da seleção germânica de 7 a 1, até que eu simplesmente desisti, saí da universidade para não voltar nunca mais.
Na época, eu escutava que curso técnico era bom, era top, que o Brasil precisa de técnicos, que quem faz curso técnico não fica desempregado. E no curso técnico eu me encontrei, eu me sentia em casa, eu amo química! E o que resultou o meu curso técnico? Estagiei numa farmácia, e foi a pior experiência profissional da minha vida! Eu era muito imatura na época, era incompetente para caramba e brincava demais, era moleca demais, não tinha modos e nem postura, fui demitida. Lembro como hoje, a maneira que a dona da farmácia me dispensou, jogando o meu salário sobre a mesa, sem olhar para minha cara, e pegando o telefone para ligar para uma amiga. Um dos meus sonhos é um dia voltar nessa farmácia, estacionar um carrão na porta, bem vestida, portando jóias caras e exalando perfume importado para simplesmente encomendar um produto de beleza qualquer, para mostrar para a proprietária e antigas funcionárias, que eu venci.
Depois disso, eu estagiei em uma das empresas que é um dos maiores sonhos para os químicos de todo o País, Petrobras. Nesse estágio, eu me demonstrei uma excelente profissional, ativa, inteligente, rápida, mas pequei drasticamente no convívio com as pessoas, procurei confusão com pessoas de bigode grosso, não fui contratada e jamais seria.
Depois tive uma outra experiência profissional, numa empresa pública de abastecimento de água, mais uma vez fui uma excelente profissional, e dessa vez, olha que incrível, não tive problemas com as pessoas. Acho que na época eu tava tão preocupada em crescer, em mudar minha vida, procurando outro emprego, começando a estudar para concursos públicos, que simplesmente eu não via as pessoas com quem eu trabalhava como pessoas, mas sim como colegas de trabalho. Passei pouco tempo nessa empresa, porque como disse, eu queria crescer.
Até que finalmente eu consegui meu primeiro emprego, emprego mesmo, os outros haviam sido estágio, mais uma vez, me demonstrei uma profissional nota 10, me orgulho muito em dizer que passei 10 meses numa fábrica que nunca teve 10 centavos de prejuízo por minha causa, sempre procedi da maneira correta nas mais diversas situações, mas pequei mais uma vez no convívio com as pessoas. Eu não agüentei tanta falsidade, cinismo, pessoas querendo derrubar os outros para se promoverem, eu explodi. Briguei em média, com umas 10 pessoas na fábrica, de um simples operador de máquina até a minha chefe, que era uma das herdeiras da fábrica. E adivinha para onde eu fui, diário? Para a rua. Hoje eu sei coisas simples, que na época eu até sabia, mas não dava atenção. Se hoje colocasse essas coisas em prática, seria tudo de diferente, eu não ia me indignar tanto com esse mundo de falsidade e competição, ia buscar ganhar a simpatia e confiança de todo mundo, e o mais importante, ia escolher o momento certo para sair, e sair no dia que eu quisesse, como eu não soube escolher e fiz tudo errado, saí no dia que eles quiseram, com um rabo entre as pernas, mais humilhada do que tudo.
Desde o final de 2013 e início de 2014, eu havia me conscientizado de que a melhor coisa para mim era passar num concurso público. E consegui isso, relativamente rápido. Mas creiam, meu concurso deu tudo errado. Acho que o Brasil é o único lugar do mundo, em que você estuda, é aprovado em um concurso público, faz curso de formação e precisa processar o Estado para ser convocado. Hoje eu estou lutando na Justiça e no Ministério Público pelos meus direitos de assumir o cargo. Vai dar certo? Isso é uma resposta que só Deus pode responder. Quando? É outra resposta que também só Ele pode responder.
Talvez esse concurso, a ação na justiça e o procedimento no Ministério Público, hoje são os únicos motivos que me mantém viva, ando num desgosto tão grande que em outros tempos eu já teria me suicidado, eu tô na lama, fui derrotada por todos os meus inimigos. Mas aí eu penso, me suicidar e se minha vitória estiver mais perto do que eu imagino? Esse concurso é de fato, é a única coisa que pode mudar a minha vida, não financeiramente, mas moralmente.
Fora que eu tenho outras histórias da minha vida, de comover qualquer coração de pedra, de impressionar qualquer pessoa. Quando eu trabalhava (meu primeiro emprego) e fiz o curso de formação desse concurso, eu estudava pelo dia e trabalhava de madrugada. Você imagina a luta? Eu não dormia, cochilava, e isso foi durante 45 dias! O que me manteve em pé? A motivação, a vontade de ser concursada!
Quando saí de casa, deixei minha filha, meu bichinho de estimação, o único ser que eu nutri amor e que sentia que era recíproco, amor esse que me tirou do vale da morte várias vezes quando pensei em me suicidar. Quando eu saí de casa, me prometeram que iam cuidar dela, e não cuidaram, eu tenho certeza que não cuidaram, não deram o mesmo carinho que eu dava para ela, deixando ela sentir a minha ausência, não perceberam que ela estava doente, quando foram perceber, tarde demais, morreu no mesmo dia. E como não bastasse o castigo, para mexer com minha cabeça, morreu uma semana antes de começar o meu curso de formação do concurso público que eu havia sido aprovada.
E ainda como se fosse pouco, meu pai com a insensatez e imaturidade dele, nos meus primeiros dias de curso de formação, foi fazer escândalo em frente a Academia de Polícia por um motivo banal, me matando de vergonha na frente de até então desconhecidos, chamando atenção dos policiais do local a ponto de virem me perguntar se eu queria abrir um procedimento jurídico. Será que minha irmãzinha que diz que não tem sorte já passou por metade do que eu passei?!
Inclusive, essa quarta-feira ela vai receber um prêmio, e eu não estarei presente. As únicas pessoas que são importantes e que ela precisa estarão lá, o pai e a mãe dela. Para demonstrar o quanto as pessoas são importantes não basta falar, tem que demonstrar, tratar como gente, e não como um cachorro.